sexta-feira, 20 de abril de 2012

a inveja(,) cega

Depois das peças de Nelson Rodrigues, um amigo emprestou o livro "Nelson Rodrigues - O Melhor do Romance, Contos e Crônicas", uma seleção feita por Ruy Castro para a Folha de São Paulo.
Capítulo 10(pág. 57) e 11(pág. 62) da A menina sem estrela.

E pensando numa retonada para os encontros familiares, encontrei este livro:







Quando a gente tenta se "blind.ar", acaba furando os próprios olhos!
Schadenfreude, caro Nelson, Schadenfreude !



Superinteressante - Edição Especial - Março 2012 - Pecados Capitais.
Quem nunca sentiu schadenfreude provavelmente está mentindo. Sem tradução para o português, a palavra alemã representa aquela alegria inconfessável de ver o outro se dando mal. E não há pimenteira, figa ou reza forte que impeça a inveja de atacar, porque querer o que é do outro faz parte da natureza - de macacos a bebés.
Quando sentimos aquela inveja que nos faz desejar os bens materiais, o status ou alguma qualidade, como a beleza, de outrem, a área ativada é a mesma responsável por processar as sensações de dor física ou emocional, segundo um estudo do Instituto Nacional de Ciência Radiológica, em Tóquio, de 2009. Ou seja: invejar dói, de verdade.
Quando o invejoso percebe que a outra pessoa tem um insucesso - fracassa no trabalho, briga com a mulher ou bate o carro, por exemplo -, ele se sente recompensado por isso. E aqui não se fala de maneira figurada: a área ativada no cérebro quando ocorre o schadenfreude é exatamente a mesma que processa sensações de prazer e alegria. "Esse sentimento depende de nossa percepção de quanto uma outra pessoa é bem-sucedida. E essa percepção depende dos traços de cada indivíduo, do que consideramos invejável", afirma Márcia Chaves, chefe do Departamento de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Quer dizer: a grama do vizinho será tão mais verde que a sua quanto você enxergar. O gramado pode estar seco e com aspecto de assombrado, mas, para quem a invejar, será digno de final de copa do mundo. Mesmo se não houver grama. Isso porque, em maior ou menor intensidade, ninguém está livre da inveja. E isso não acontece porque somos pessoas más. "Os estímulos do ambiente refletem no cérebro e essa atividade cerebral provoca a inveja. Há uma base neurológica constituída para isso", afirma. E não é só isso: existe mesmo a inveja boa e a inveja má - não é mentira daquele seu vizinho que adorou seu carro novo.
O cérebro reage de forma expressiva quando processamos esses estímulos. Primeiro, em um estágio básico - o mais comum -, vem aquela vontade de ter o que pertence a outra pessoa. Ou seja, o vizinho apenas queria ter o seu carro. É um passo além da admiração, mas um comportamento natural. Em uma etapa mais avançada, a inveja se manifesta por meio da felicidade com o insucesso do outro, com o desejo de que algo ruim lhe aconteça - que você bata o carro ou que ele seja roubado. Nesse caso, é o tal do schadenfreude.
Ao longo da história, diversos personagens causaram prejuízos a oponentes que ameaçavam roubar seu status. Em um caso famoso que entrou para a galeria de lendas sobre a inveja, o compositor italiano Antonio Salieri teria envenenado Mozart, então com 36 anos. Segundo o psicanalista Renato Trachtenberg, autor do livro As Sete Invejas Capitais, a história, ainda que não seja verdadeira, é uma boa alegoria do processo individual desencadeado pela inveja. Segundo a lenda, ao se preocupar somente em alcançar o génio austríaco, Salieri teria desprezado suas próprias qualidades excepcionais. "Além de ser um excelente compositor, ele havia descoberto Mozart, o que mostra uma sensibilidade aguçada. Ele também era um génio e não precisava invejar ninguém", diz.
As pessoas com maior propensão à inveja em nível patológico são aquelas que têm graves falhas ou lesões nos lobos frontais do cérebro, regiões responsáveis pelo reconhecimento das regras e pelo respeito aos outros. "Muitas vezes, apresentam traços de uma personalidade sociopata, com comportamentos não aceitáveis socialmente. Então, elas não querem mais o que o outro tem, mas sim ser exatamente o que o outro é", afirma Márcia Chaves.

UVA OU PEPINO?
Dá para colocar (parte) da culpa na evolução - e nem os macacos estão livres da inveja. Pesquisadores do Instituto Yerkes, em Atlanta, nos Estados Unidos, detectaram traços de inveja em outros primatas. Dois macacos recebiam pepinos para colaborar com a pesquisa, até que um dia um deles ganhou algo mais saboroso: uvas. Aquele que continuou recebendo o pepino se tornou mais hostil durante os trabalhos - não há mais bobo na pesquisa científica.
Na verdade, a inveja teve um importante papel. Em uma época primitiva, desejar o que o outro conseguia era um indicativo de quanto seria possível conquistar em determinado ambiente: se um macaco conseguia dois cachos de banana, mas um outro obtinha cinco, o invejoso percebia que ele também poderia voltar para casa com uma quantidade maior. Esse componente estimulava a competição, que serviu para o desenvolvimento da espécie. "As áreas do cérebro que processam a inveja, entre outras sensações, só aparecem nos primatas e em alguns mamíferos. Trata-se de um mecanismo evolutivo importante. Do contrário, o cérebro sequer nos disponibilizaria esses mecanismos", analisa Márcia Chaves.
O psiquiatra José Toufic Thomé concorda: "É um dos nossos sentimentos mais primitivos. Quando começamos a perceber o mundo, a inveja logo se manifesta: o que o outro tem, eu quero ter ou quero ser. Temos uma carga de instintos que contém inveja. E um comportamento evolutivo: se eu tenho que sobreviver, preciso usar todos os meus recursos, mesmo os mais primitivos", afirma.

ATÉ OS BEBÉS SÃO INVEJOSOS
Nem mesmo aquele bebezinho fofo sendo amamentado pela mãe está livre de sentir inveja. Conforme conceito da psicanalista austríaca Melanie Klein, a inveja se manifestaria no contato com a mãe, durante a amamentação.
Ela chamou esse sentimento de "inveja do seio". Conforme a teoria, o bebé não suportaria a ideia de que não é ele quem produz seu próprio alimento, percebendo uma condição de dependência em relação à mãe. "No momento em que o bebé passa a perceber que o leite que necessita é fruto do seio de uma mãe que tem esse poder de criar esse alimento, o sentimento de inveja é acionado com toda a sua força primitiva, e a reação inicial é de rejeitar ou destruir essa percepção frustrante", afirma César Brito, psicanalista e professor da faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Essa primeira relação desenvolvida entre o bebé e a mãe, que faz com que o recém-nascido perceba que não está sozinho, que há outro de quem sua sobrevivência depende, vai se refletir em novas áreas de sua vida. "O bebé precisa desenvolver a capacidade de tolerar as frustrações, reconhecer que as diferenças existem para que se desenvolva de forma mais saudável", afirma.
Mas, se nem ao longo da vida é fácil aprender essa lição, tentar "curar" a inveja também parece uma missão impossível. "Tirar a inveja de alguém seria como amputar essa pessoa", afirma o psicanalista Renato Trachtenberg. Mesmo os casos mais exacerbados de inveja não têm uma cura definitiva. Não é como uma cirurgia em que a doença é extirpada. Quando atinge níveis patológicos, o sentimento de inveja pode ter desfechos trágicos. Em uma versão moderna do fratricídio cometido por Caim contra Abel, em 2011 um jovem confessou ter matado o próprio irmão por invejar seu sucesso. O crime bíblico foi cometido porque Caim acreditava que Deus privilegiava Abel. Na versão urbana, no Mato Grosso, ambos eram DJs e o assassino reclamou que o irmão era mais requisitado para festas.
Como ainda não há uma base de estudos neurocientífica que detalhe todo o caminho percorrido até que o pecado se consuma, uma das abordagens adotadas no tratamento é a psicanalítica: a inveja tem de deixar de interferir em nossa vida. Ou seja, se deixar de invejar é mesmo impossível, pelo menos dá para transformá-la em estímulo.

BAILE DE MÁSCARAS
-Cobiça é querer o que não se tem.
-Ciúme é uma relação que envolve um terceiro, uma disputa por afeto ou atenção de algo/alguém que já se conquistou.
-Inveja é uma relação dual: alguém quer ter ou ser o que o outro já conquistou ou é.
-Schadenfreude é o êxtase do invejoso: a alegria que ele sente quando o invejado fracassa.
-Admiração parte de um vazio, do princípio de que algo está faltando - só admiramos o que não temos: assim, pode ser considerado um tipo inicial de inveja

Atualização 30/04/2013
Ciência Busca a Felicidade - FSP - NYT

Atualização 22/08/2013
A inveja dos outros - FSP - Contardo C.

Atualização 15/10/2013
Minha inveja, meu sucesso - FSP - Mais!

Atualização 05/01/2014
Ah, a inveja ... - FSP - Ilustríssima

Atualização 29/07/2014
Inveja, um pecado capital - FSP - Anna Veronica Mautner

Atualização 14/10/2014.
Schadenfreude e Hipocrisias,vícios e virtudes - Hélio Schwartsman

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