Sempre procuro uma conexão, por mais absurda que pareça, nas coisas que faço. E é engraçado como as coisas vão se encaixando de uma maneira que não sei explicar. É tudo muito gratificante fazer, essas coisas darem um prosseguimento que faça sentido (para mim). Só não sei mensurar o quanto isso é relevante para os outros, mas como diz Anna Veronica Mautner (Contadores de caso), não vou jogar fora, vou mandar para o próximo.
Faz bastante tempo que gostaria de conhecer um lugar chamado Casa Livre. Esta casa de espetáculo está cravada no meio da Barra Funda onde a Cia Livre de Teatro faz suas criações e as executam.
Na verdade, eu sempre fui relutante com o teatro. Não me agradavam as falas exacerbadas dos atores e isso sempre me pareceu artificial. Mas percebi que, dependendo da estória, os diálogos para serem verossímeis se fazia necessário avolumar as ações.
Dito isso, acho que aquela repulsa inicial passou. Mas o motivo de querer conhecer esta casa foi outra. Foi esta: “Público escolhe quanto deve pagar por peça de teatro”
Esta reflexão de "pague quanto der" - para mim - é bem complexa. Ela meio que quebra aquela coisa de cobrar, chorar desconto, levar vantagem e todos os "modus operandi" do capitalismo em que vivemos.
Então, minha peça inaugural na Casa Livre foi esta:

Um trecho do programa da peça:
...Marcado pelo lirismo e pela tradição oral, Raptada Pelo Raio 2.0 conta uma história de amor e morte. Depois de VemVai - O Caminho dos Mortos, onde coexistiam vários mitos, Raptada Pelo Raio 2.0 é uma narrativa focada numa única história. Nela, um homem passa por diversas regiões do universo, na tentativa de resgatar sua mulher, Maya, raptada pelo raio. Termina por deparar-se com os limites impostos por sua própria condição humana. Temas como a separação entre vivos e mortos, os limites do amor e a impossibilidade do encontro são tratados numa linguagem dinâmica, em que atores-narradores misturam-se às personagens, revezando-se entre os registros épicos, líricos e dramáticos.
Raptada Pelo Raio 2.0 traduz os conflitos resultantes da perigosa relação entre os vários mundos que circundam nossa existência. Para recriar esses mundos, a encenação constrói uma experiência cênica- sensorial, que multiplica os pontos de vista da platéia. Em alguns momentos, o público é convidado a fechar os olhos, abrindo os ouvidos para a narrativa. Em outros, o estímulo visual cria os diferentes planos de realidade, enquanto a música e as sonoridades diversas revelam os estados emocionais das personagens. Adiante, são os aromas e a luz que criam atmosferas. A viagem sinestésica que se constitui na cena abre as portas da imaginação e da percepção.
...
A gente fica perplexo mesmo. Todos os fatos, desde a chegada ao teatro até o aplauso final, são reflexões que instiga a capacidade de admiração pelas coisas que os outros, corajosamente, conseguem fazer e que nós, covardemente, invejamos.
A desconfiança intrínseca (rejeição pelo inesperado, ou o medo de parecer ridículo) dessas interações artísticas, no caso, foi se trasformando em algo prazeroso pois é uma experiência coletiva mas de caráter individual. Ou seja, todos participam da mesma maneira e, não como ocorre na maioria das vezes, quando há um sortudo (no meu caso, seria azarado) escolhido. Ali você meio que entra no personagem e são os sentidos que vão te induzindo para as sensações descritas em seu caminho. Você acaba descobrindo que se não entrar no processo proposto, quem vai perder é sua consciência.
Depois dessa experiência, percebi que todas essas novas possibilidades de apreciação do que, normalmente, é padrão (sentar a bunda e assistir), faria com que o meu entendimento se transformasse em algo muito mais sublime.
Acredito, também, que por conseguir fazer os programas de acordo com que a cidade oferece, sem ter que negociar vontades e nem compartilhar prioridades, isso faz de mim um andarilho solitário, mas mais ligado a solitude do que a solidão. Que pode, pelo menos, tentar ter seus próprios pensamentos. Deixando claro, que isso pode mudar quando esse privilégio acabar.
Mas enquanto ela não vem, vou vasculhando as alterações possíveis na mesmice das coisas. E de maneira impulsiva, na maioria das vezes, vou buscando os agradáveis contentamentos.
A mais recente foi com o espetáculo-percurso “Antes de Partir”.
Folder da Peça:
“ Seis personagens sabem que estão vivendo seus últimos momentos...Antes de Partir.
Eles compartilham este momento final com a platéia, que descobre, um após o outro, nos cantos de uma casa antiga no centro velho de São Paulo e perguntam:
- O que é mais importante para você na Vida?
- O que mais o emociona na sua experiência de Vida?
- Se pudesse levar apenas uma lembrança com você sobre sua vida, qual seria?”
O que dizem sobre a peça:
Peça privilegia relação com o público
Público participa de peça encenada em casarão no centro de SP
Esse lugar, portador de sua história, habitado por seu passado, emprestará sua força natural e dará uma atmosfera ao espetáculo muito mais forte que qualquer construção de cenário convencional
A peça já começa de maneira surpreendente, e enquanto você analisa o que é encenação e o que é realidade, sua vergonha o leva à dois caminhos. Ou você retrai e busca uma distância confortável como espectador, ou se deixa levar pela atmosfera e transforma esse incômodo num ensaio inédito.
A minha começou no banquete com todos sentados à mesa, quando a protagonista perguntou qual era a lembrança que aquele cenário trazia. Com um silêncio acanhador, num rompante, desembestei a falar.
Desculpando pela minha falta de complexidade que este tipo de pergunta oferece, lembrei-me da família e de uma conversa que uma vez tive com um primo. Disse que nossa família (em geral a japonesa de okinawa) passa a grande parte, quando estão juntos, numa grande mesa na cozinha, comendo e conversando. Que muitas vezes, as pessoas não vão pra sala conversar, e sim, o sofá é que vai para cozinha.
Falei da minha fome, pois tinha ido direto do serviço, do meu trabalho e da decepção do meu pai, que torcia para que eu fosse menina, depois da decisão da minha mãe pela laqueadura após meus 2 irmãos. Isso depois de explicar aonde eu nasci.
E como não poderia deixar de ser, ao encerrar sua última encenação, desfrutando um morango, disse que aquela cena me lembrava o filme de Jeff Bridges e Isabela Rossellini, mas não recordava do título. (mas achei aqui)
E percebi que, talvez, aquela noite, foi uma de sorte. Ou de inspiração.
E mais tarde, lendo nos achados do google, isto aqui:
Antes de Partir, direção da francesa Léa Dante, prorroga temporada até 27 de julho.
...
A peça propõe uma reflexão sobre a fragilidade e a temporalidade humana. Reflete uma das angústias mais atuais: a dificuldade de comunicação entre as pessoas. Compulsivamente, os personagens narram suas pequenas grandes histórias, com suas marcas e cicatrizes.
...
Coincidentemente, parecido com o que escrevi num email familiar sobre relação entre mundos, vida e histórias.
“às vezes o entendimento das coisas dependem também do outro mundo. mas como não existe uma ligação direta e concreta entre os mundos, esses "espaços" seriam muito bons para uma melhor compreensão.
agradeço também por vc compartilhar isso conosco.
seria ótimo se as reflexões pudessem ser "incorporadas" na nossa limitada pretensão de ser "absoluto". e para isso o relato das experiências é uma das melhores vias.
depois de refletir um pouco, a minha conclusão é que o "precário equilíbrio" da Vida, é a falta de comunicação. não saber transmitir uma opinião, intuir com os nossos cacoetes o que os outros pensam, impor nossas "verdades" e ,principalmente, parecer quem a gente não é. infelizmente, eu sou assim. mas juro que tento melhorar!”
E para acabar ...
Em ambos os espetáculos, quando eu cheguei, não havia mais ingressos. Uma benção às pessoas que não comparecem.
Em ambos, fui embora com lembranças reais e com ótimas recordações.
Oi,Billy!
ResponderExcluirtudoaomesmotempoagora mas uma coisa puxa a outra e os fios se desdobram no tempo também. o infinito pra fora e o infinito pra dentro...
mas deixa eu te dizer (algo que eu provavelmente já disse e vou dizer de novo daqui a algum tempo): o melhor de tudo é compartilhar, criar um vocabulário comum... foi o que as minhas filhas me deram e o que a gente ainda vislumbra de vez em quando, apesar os repertórios terem se diversificado um bocado agora que elas viraram gente grande.
por isso, acho que vale a pena vc continuar procurando...
às vezes eu acho que é por isso que é preciso estender a todos (absolutamente todos) essa capacidade de fruição, de espanto (que alguns atribuem à arte e outros à filosofia): pra que a gente possa virar pro lado no ônibus e encontrar alguém com quem compartilhar um 'achado' ali, na hora que acontece...
continue se divertindo!
.